sábado, 1 de outubro de 2011

Cristóvão Buarque, Políticos e Educação

Recebi um email solicitando que divulgue, como forma de mobilização social, o Projeto de Lei do Senado Nº 480 de 2007, de autoria do Senador Cristóvão Buarque, que, pasmem, determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.

A ideia, à primeira vista e para quem analisa somente a intenção desta proposta estapafúrdia, pode parecer até louvável, sobretudo pela incapacidade dos gestores públicos em prover a infraestutura em adequada, que todos brasileiros desejamos pelo volume impostos que pagamos. Entretanto, ela não resiste a mínima análise com um pouco menos de paixão, um mínimo de bom-senso ou sob a ótica dos direitos republicanos e constitucionais.

Emito e justifico aqui minha opinião acerca deste atentado ao bom-senso, aos direitos individuais e à própria lei, que, ao contrário de ser inteligente ou produzir os resultados que se imagina dela, só serve para mais um político fazer proselitismo. Sempre respeitei e admirei o Senador Cristóvão Buarque pela sua defesa da educação, mas este absurdo projeto de Lei não condiz com sua capacidade intelectual, formação acadêmica e cultural, conhecimento jurídico, defesa da democracia e das liberdades individuais. É um menosprezo à capacidade de pensar de pessoas de bom-senso.

Detive-me, então, a justificar com mais detalhe minha posição pelo caráter importante deste email, e do próprio projeto de lei, pois entendo que os ditos 'formadores de opinião' precisam pensar melhor nas decisões que tomam e nas bandeiras que levantam, pois uma das causas de termos tantos políticos incompetentes é o fato de vivermos em uma sociedade inculta e desinformada, que compra bobagens e vende como verdade. Que compra conceitos absurdos e vende com a salvação do país. Como massa não tem inteligência, massa tem força, ela acaba por seguir quem tem inteligência e/ou habilidade para convencê-la. Podemos escolher não ser massa, mas quem a conduz, mobiliza ou mesmo quer fazê-lo, precisamos utilizar de um mínimo de bom-senso e seguindo o que preconiza a lei e os direitos individuais. Felizmente acabaram-se os caudilhos, os donos da verdade e do poder. Não precisamos de novos líderes, mas pessoas que saibam o que defendem e porque defendem, que entendem daquilo que dizem. Que defendam conceitos que efetivamente melhore a sociedade, mas com ideias e propostas inteligentes, que tenham possibilidade de implantação e, fundamentalmente, não atentem ao inalienável direito de sermos livres. Pagamos caro por estarmos permanentemente seguindo líderes hábeis e comunicar, mas sem conteúdo a ser comunicado. Que habilmente falam o que soa bem aos ouvidos de uma sociedade tão carente de serviços decentes quanto de um melhor aprofundamento intelectual, cultural e ético. Muitas estão gritando, acreditando defender um país melhor, mas na prática, só gerem discursos vazios, sem nenhum conteúdo e resultado prático. Tanto esforço, tanta energia desperdiçada na defesa de ideias inconsistentes e descabidas que, no fim, são rejeitadas pela própria sociedade que a produz. Os exemplos se proliferem. E este é mais um.

Cabe aqui algumas considerações sobre a questão:

1. Em primeiro lugar, a projeto de lei opõe-se diretamente aos direitos individuais, no caso, o de livre escolha (na minha opinião, intocável), defendido por todas as sociedades livres e democráticas ao redor do mundo, e muitas vezes obtidas à custa de guerras e morte de seus defensores, e felizmente preconizado na Constituição de 88. O Artigo 23 inciso 3 da Declaração Universal dos direito dos homens preconiza que "Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos", portanto, o direito de os pais criarem e educarem os seus filhos é um direito natural fundamental e inalienável. Este direito foi estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Nº 4.024/61) no TÍTULO II - Parágrafo único: À família cabe escolher o gênero de educação que deve dar a seus filhos, que embora revogada pela Lei 9.394/96, que trata da educação de uma forma mais abrangente, não tendo este e outros artigos dos direitos especificos incuídos. A Constituição Federal define no Art. 205 que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família (observa-se: da FAMÍLIA, não do pai ou da mãe individualmente), será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Nota-se que embora em alguns casos não seja explícito, o conceito da responsabilidade e direito dos pais de escolherem a educação de seus filhos fica subliminar ao espírito de todas as leis, pois tendo em vista que a tutela dos pais (pai e mãe) estabelecida pelo preceito constitucional do pátrio poder incorre na responsabilidade e obrigação dos mesmos em zelar pelo melhor para seus filhos, também lhes é, e deve ser, permitido o direito de livre escolha do quem entendem ser o melhor para seus filhos, não podendo o Estado, a despeito de sua atribuição profissional, condição social, política, religiosa ou mediante qualquer outra condição estabelecida ou suposta, impedi-los disso. Isso se torna ainda mais absurdo se levarmos em conta que a razão de tirar dos pais este direito, ou seja, a escolha de representar a sociedade através de um processo eletivo, reforçado com o discutível, se não risível, argumento de que os filhos de agentes públicos estudando em escolas públicas acarretariam melhoria na educação. Quem pensa isso pode não gostar de políticos, o que também é meu caso, mas definitivamente não entende nada do sistema educacional e de seus problemas.

2. Estabeler este regramento legal, impondo que filhos de políticos tenham que estudar em escolas públicas, abre inúmeros precedentes, cuja lógica estúpida e absurda é a mesma. A exemplo disso, poderiam os Dom Quixotes da solução social propor leis obrigando agentes públicos a não andar mais em seus próprios veículos, mas somente em transporte público, para que tenhamos mais ônibus circulando, ou que nenhum agente público tenha plano de saúde e se utilizem obrigatoriamente do SUS para que melhore o atendimento nos hospitais ou mesmo que agentes políticos não possam trancar suas casas para melhorar a segurança pública. Embora estas ideias possam mexer com nosso imaginário, e até mesmo gostarmos dela, já que queremos punir todos os políticos de alguma forma, elas são tão estúpidas quanto quem poderia pensar em sua viabilidade prática ou legal, pois afronta bom-senso, os direitos individuais e a própria Lei.

3. Supondo os defensores desta lei, ou mesmo seu propositor, resolva ampliá-la para os filhos de professores ou diretores de escola, afinal, eles também são responsáveis pela qualidade da educação. Escolas parecidas recebem verbas parecidas e os professores tem o mesmo salário e, mesmo assim, percebemos que as escolas têm infreastrutras diferentes e diferentes resultados no aprendizado, o que deriva também, da competência dos diretores e dos professores. Iríamos defender esta mesma proposição? Os filhos dos professores e diretores deveriam ser obrigados a estudar nas escolas que seus pais dirigem ou onde seus pais dão aula? Bem, quem não for a favor disse, defende a proposta por ser contra os políticos e não por ser uma boa proposta, tendo em vista que a lógica é a mesma.

4. Supondo, o que é verdade na maioria dos casos, que efetivamente o aluno da escola pública conclua seu aprendizado com menos conhecimento ou habilidades que o aluno de escola particular, o que o filho de um agente público tem há ver com isso? Supondo novamente que, independente de um deles ser político, os pais tenham condição financeira para colocar seus filhos em uma escola privada, porque o aluno deveria ser obrigado a estudar onde não quer em função da condição de seus pais? Não seria como obrigar uma criança a fazer algo cuja atribuição dos seus pais seja o fator que define esta condição? Isso, por si só, já seria uma clara afronta ao Estatuto da Criança e adolescente, punir os filhos pelas escolhas dos pais.

O meu interesse em argumentar contra esta bobagem não tem há ver diretamente com ela, já que é óbvio que não vai ser aprovado, e se fosse seria facilmente derrubada por uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), mas com o conceito que está por trás dela. Teria outros argumentos para justificar e exemplificar minha estupefação frente a esta proposta ridícula, mas acredito que seja o suficiente. Entendo, como todos, que a educação precisa mudar, melhorar, e muito. Além de uma nova consciência da sociedade que educa da mesma forma e como os mesmos instrumentos e processos crianças com uma velocidade mental inigualavelmente superior a da minha avó, que passava quatro horas mexendo um taxo de goiabada, com quadro-negro, giz, classes e cadeiras, dispostos e usados da mesma forma que se fazia há mais de 100 anos, além da insuficiente e inadequada formação dos professores, cujo conhecimento técnico não é mais suficiente para entender a complexidade social do ambiente escolar, além da infreastrutura inadequada, com falta de equipamentos e instrumentos modernos de aprendizagem, além dos baixos salários, além de se colocar profissionais interessados, esforçados, que se qualificam e desejam uma educação melhor, no mesmo patamar dos relapsos e incompetentes, pois estes estão enfiados nos sindicatos, agitando suas bandeiras e ira contra toda e qualquer tipo de mudança que faça como que sejam identificados e melhor remunerados os bons, mesmo que haja inúmeras outras condições que colocam a educação brasileira entre as piores do mundo, entendo que a mudança passa, também, por decisões políticas e as decisões políticas são tomadas por desejo da sociedade que os elege. Porque, quando os CPERS/Sindicatos da vida se mobilizam para destruir propostas que efetivamente podem melhorar a educação, a sociedade se cala? Porque a sociedade compra como verdade os conceitos bradados aos gritos e panelaços por pessoas retrógradas e atrasadas, como a Sra. Rosane de Oliveira, Presidenta do CPERS/Sindicato, e sua claque de senhoras que já deveriam ter deixado a educação para quem verdadeiramente quer uma sociedade moderna, diferente, e que valorize os competentes, os interessados, os que buscam mais do que reclamar e ser contra?

A sociedade se não fosse trágica, seria engraçada. Senta-se em frente à televisão, comprando as verdades ditas pelo Willian Bonner e as defendem com se verdades fossem, reclamam da corrupção, arrumam bodes expiatórios para justificar sua inação, encontram seus culpados. No dia seguinte, subornam guardas no trânsito para não ser multados por suas infrações, não devolvem o troco dado a mais pelo caixa do supermercado, tem em suas estantes livros tomados emprestados e que nunca pensam em devolver, não avisam quando a conta do bar foi menor que seu consumo, param em fila dupla ou em vaga de deficiente com a desculpam que vai ser "rapidinho", ocupam duas vagas ao estacionar na rua, para ter mais espaço para sair sem manobrar, não se importando se está deixando sem vaga outro cidadão com o mesmo direito de estacionar, jogam lixo na rua, furam fila, aproveitando-se de um amigo que está mais a frente, e usam dos mesmos políticos que criticam quando tem a oportunidade de arrumar o "boquinha' para seu filho em algum órgão público, ou para que deem um jeitinho para resolver seu problema... Políticos são dignos e leais representantes da sociedade e de sua ética e comportamento. Não existe político decente de sociedade cujos valores são flexibilizados conforme seu interesse pessoal. A ética da política reflete a ética da sociedade. Nem mais, nem menos. Se queremos uma educação decente, precisamos de uma sociedade decente e não de ideias descabidas.

Embora aja pessoas (cujo adjetivo declino) que entendam que os direitos não devam ser para todos, e que não deveríamos ser iguais perante a Lei, me parece que é justamente isso que precisamos defender: que todos tenham os mesmo direitos, a mesma qualidade de educação, de saúde pública, de segurança. Eliminar direitos à liberdade como forma de punir serve para quem comete crimes. E é lá, na cadeia, que políticos corruptos devem estar. Mas sempre que alguma ideia para solucionar problemas sociais passam por eliminar direitos civis, sobretudo os ligados à liberdade, me dá arrepios, pois me remete ao fascismo, ao nazismo e ao comunismo, cujos resultados, até mesmo os que sequer sabem o que propõem ou defendem, conhecem.