segunda-feira, 5 de julho de 2010

Uma seleção sem brilho

Perdemos sem brilho uma Copa que ganharíamos sem brilho.

Em 1637, René Descartes escreveu o célebre Discours de la méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences (Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência), traduzido e conhecido como “O Discurso do Método”, através do qual deu forma ao pensamento ocidental quando estabelece as regras para o método científico, proprondo a simplificação e a divisão em partes dos sistemas e seus fenômenos para que possam ser analisados de forma “lógica”.

Descarte estabelece três operações elementares da mente humana: a indução, que consiste em captar realidades mínimas, a dedução, que propõe agrupar observações e inferir resultados e a enumeração¸ estabelecendo a revisão e reelaboração de conceitos de forma ordenada. Simplificadamente, estas operações são realizadas através dos seguintes passos ou preceitos:

1. Receber as informações de forma seletiva, escrupulosa, que sejam evidenciadas e por fatos e dados e fiel a eles, examinando sua racionalidade e sua justificação, verificando a verdade, a boa procedência daquilo que se investiga e aceitando apenas o que for indubitável.

2. Analisar e dividir o assunto em tantas partes quanto possível e necessário.

3. Sintetizar e elaborar de forma progressiva as conclusões abrangentes, ordenando-as a partir de objetos mais simples e fáceis até os mais complexos e difíceis.

4. Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista.

No penúltimo capítulo do livro, Descartes mostra a aplicação prática do método a algumas questões científicas, destacando, entre elas, a descrição dos animais não-humanos como máquinas orgânicas complexas, mas também atribui a mesma característica a vários dos comportamentos do próprio ser humano, afirmando que igualmente são passíveis de explicações mecânicas, estabelecendo que a diferença do ser humano para os outros animais seria a capacidade de responder criativamente ao meio, em especial através da linguagem. Este fato estabelece o mecanicismo que marca o pensamento cartesiano.

O pensamento mecanicista, linear e reducionista de Descartes mostrou-se útil na análise dos sistemas complexos quando estabelece que estes sistemas são constituídos de partes constituintes e, portanto, para serem analisados e entendidos devem ser decompostos nestas partes, as quais, avaliadas de forma isolada e individual podemos entender o funcionamento ou comportamento de cada uma delas e a partir disso entender o todo. Um exemplo disso é a análise estatística do pensamento coletivo, com as pesquisas eleitorais, onde ao se verificar o comportamento de uma amostra da população (estatisticamente representativa da mesma), pode-se inferir que a população tem o mesmo comportamento da amostra. O que efetivamente ocorre.

Mas voltando à Copa do Mundo, se utilizarmos o modelo caretsiano para analisarmos o resultado do Brasil (como todos os analistas que ouvi e li até agora tentaram fizer, com resultados desanimadores, tal como em 2006), é possível perceber que qualquer avaliação feita acerca do Brasil será constituída apenas opiniões baseadas em ilações ou percepções pessoais, tendo em vista que não é possível seguir o método científico de análise consagrado pelo autor. Senão vejamos:

1. Não temos as informações de forma seletiva e escrupulosa, e que tenham dados e fatos evidentes e de procedência confiável, não sendo possível assim examinar sua racionalidade e sua justificação e, portando, aceitá-las como indubitável.

2. Dado o item anterior, não há forma de dividir e analisar o assunto, mesmo em partes (o que, a despeito disso, é exatamente como é feito, tornando a análise ainda mais temerária, já que temos fatos isolados e não a verdade como um todo).

3. Sem a análise adequada e uma divisão de fatos coerente, não é possível sintetizar e elaborar de forma progressiva e abrangente as conclusões, mas apenas uma análise superficial e opinativa dos elementos que podem (ou não) compor os fatos e muito menos ordenar tais elementos.

4. Se não é possível obter informações confiáveis, não é possível dividir e analisar o assunto de forma coerente, como seria possível tirar conclusões sem que nada seja omitido e que a coerência geral exista?

De fato, podemos isolar os fatores que entendemos possíveis e até mesmo prováveis e acharmos uma (ou várias) razão para a eliminação e um (ou vários) responsável por ela (e este seria o único objetivo, dada a análise superficial que é possível fazer com os elementos que se dispõe), embora cada conclusão se daria – e só poderia se dar – de forma isolada. O fato é que o pensamento cartesiano, embora a maioria das análises tenha sido baseada nele (o que é natural e comum, já que o pensamento ocidental e fortemente influenciado pelo método reducionista de pensar) tenha escolhido culpados, e o Dunga e Felipe Mello me parece ser alvo preferido das análises simplistas, qualquer conclusão só resulta em vender notícias e garantir o empregos dos analistas, mantendo nós, ouvintes e leitores, ocupados com discussões estéreis –embora deliciosas – sobre o tema, já que se analisarmos o resultado através do pensamento sistêmico, sou seja, entendendo que os fenômenos não acontecem por ações isoladas dos elementos constituintes de um sistema, mas por uma série de ocorrências interligadas e interdependentes, a análise fica mais complexa e difícil, mas menos simplista e mais fiel ao que possa ter acontecido. Mas quem tem tal capacidade de análise? Ou a quem interessa a verdade se a polêmica vende e diverte muito mais?

É claro que não vou me arriscar a fazer tal análise, já que desconheço a maioria das variáveis que influenciaram no resultado, que parecem ir desde a ideia inicial da CBF ao chamar Dunga para dirigir a Seleção, passando, dentre outros inúmeros fatores, pela sua forma de entender o futebol, a composição da equipe e as variáveis não controláveis da própria competição, uma aparente tendência a erros a favor de determinadas seleções patrocinadas pela Adidas, sobretudo a Alemanha (e aqui vai puramente uma ilação minha, mas da qual nao abro mão). Minha proposta aqui é somente levantar uma – e só uma – condição que me parece factual, baseado puramente em sentimento pessoal e observações: este Seleção não empolgou o torcedor!

Embora a Seleção tenha feito uma campanha irrepreensível nos jogos antes da Copa, a Seleção que foi para a África do Sul contava com o olhar desconfiado e o nariz torcido do país. Parece haver duas as razões básicas para isso: 1. a maciça campanha da imprensa contra Dunga e alguns jogadores constantes da lista elaborada por ele e a ausência de outros que a grande maioria entendia que deveria estar nela e 2. a insistência (ou teimosia) do treinador com nomes, no mínimo questionáveis, e seu permanente estado de animosidade e mau humor, estimulando ainda mais seus críticos.

Não é possível saber se alguma mudança em um ou ambos os fatores iria alterar o resultado da Seleção Brasileira na competição, mas uma coisa eu tenho convicção: o Brasil iria vibrar mais e torcer mais durante as vitórias, choraria muito mais a derrota e receberíamos os jogadores, mesmo derrotados, com o respeito de quem era, efetivamente, representante da vontade de uma nação, tal como ocorreu na Argentina (e eles levaram uma goleada, diferentemente do Brasil).

Perder faz parte de jogar. E todos nós aceitamos e aceitaríamos isso. O que temos dificuldade em aceitar é que nossa representação não tenha conseguido refletir nossas aspirações e desejos. Faltou Brasil na seleção. Tivemos uma seleção de jogadores, não de brasileiros. E esta Seleção voltou ao Brasil na mesma condição que saiu: sem o brilho que faria os nossos olhos brilharem.

Eu juro que queria ter ficado mais triste.